O devir universal das coisas era a principal preocupação de Heráclito. Por causa da constatação da universal transformação de tudo, induziu que fosse o fogo o elemento principal. Porquanto se apresenta eminentemente móvel. Afirmando enfaticamente que tudo flui e nada permanece 25. Qualquer fosse o componente básico, a partir dele derivariam todas as coisas, através de uma geral mobilidade. Não insiste Heráclito no mesmo fogo, e concordaria fosse outro este elemento básico, desde que melhor explicasse a hipótese da geral mobilidade.
O mobilismo incorre em várias perguntas, dentre as quais importa começar pela forma desta alteração contínua. Dar-se-ia a alteração mais fundamentalmente na mesma estrutura do elemento em mudança ao modo do hilemorfismo26 (por substituição das determinações)? Ou se daria ao modo do atomismo (por disposição das partes, quer por complexificação, quer por simples condensação e rarefação)?
É difícil de decidir qual fora a precisa maneira de pensar de Heráclito. Ou seguiu inteiramente a Anaximandro, com quem já se assemelha por ter substituído o ápeiron indeterminado, por um elemento semelhante pela mobilidade, o fogo, e então o fogo se transformaria ao modo hilemorfista, pela substituição substancial das formas. Ou seguiu a Anaxímenes, nesta outra parte, referente às mudanças, que o terceiro e último filósofo de Mileto concebia como simples rarefação e condensação das partículas, sem que elas mesmas individualmente se alterassem. A aparência exterior do fogo parece conduzir à interpretação hilemorfista: então Heráclito à mesma maneira como Anaximandro, teria prenunciado o hilemorfismo aristotélico. Uma passagem de Platão sugere exatamente isto:
"Não declarou Heráclito que tudo está em movimento? E que nada permanece parado? Comparando a realidade ao curso de um rio, ele disse: duas vezes no mesmo rio não colocarás teu pé" 27 .
O "tudo flui, ou tudo está em movimento" contém o sentido hilemórfico da mudança da forma. De outra parte, porém, "condensação" e "rarefação", usadas com referência à Heráclito, são tipicamente atomistas, estas expressões não deixam clara a tese do mobilismo, senão pelo contexto.
"Hipaso de Metaponte e Heráclito de Éfeso também admitem um só (princípio) movente e limitado (finito), que seria o fogo. Tudo nasce do fogo por condensação e rarefação, e tudo se resolve no fogo, sendo ele a única natureza substancial. Pois diz Heráclito, tudo se troca por fogo, e fogo por tudo. A ordem do cosmos e sua transformação em tempo limitado obedece a uma necessidade prefixada"28.
"Heráclito suprimiu o repouso e a estabilidade no todo, pois isto é próprio dos mortos. Atribui o movimento a todas as coisas: Eterno às eternas; transitório às transitórias" 29 .
"Não é possível descer duas vezes ao mesmo rio, segundo Heráclito, nem tocar duas vezes uma substância transitória no mesmo estado: por via da impetuosidade e da velocidade da transmutação, aflui e reflui, avança e retrocede, ou melhor, nem de novo, nem mais tarde, mas no mesmo instante, se congrega e se desagrega, se junta e se disjunta" 30 .
Mas que Heráclito também ensinava a geração e a corrupção do cosmo, provam-no estas palavras suas:
"transmutações de fogo: primeiro o mar; e do mar, metade terra e metade turbilhão ígneo, o que significa que é o fogo, mediante o qual o Logos ou Deus rege o todo, que, transmudado em ar, se volve em humor, o qual é, por assim dizer, o sêmen da ordenação cósmica, o que ele denomina: Mar.
Do mar renasce a terra e o que entre a terra e o céu se encontra. Mas de que maneira o cosmo regressa à ordem primordial e como se dá a deflagração 31, isso claramente o exprime assim: (a terra) derrama-se qual mar, a medida da mesma lei que prevalecia antes que este se transmutasse em terra" 32.
Clemente de Alexandria com suas palavras fez a seguinte afirmação: Heráclito de Éfeso, quando ensina que um cosmo é eterno e outro transitório, sabendo ele, todavia, que este (o transitório), no que respeita à organização, não é diverso daquele (o eterno) que possui certa estrutura.
Mas que ele tenha considerado como eterno o cosmo, aquele que consiste de toda a substância, estruturado como quer que seja, isto claramente o revela, dizendo: - Este cosmo, que é o mesmo para todos, nem Deus nem homem algum o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, que se alumia por medida e por medida se apaga" 33